É muito comum que as crianças que estão em pleno desenvolvimento de fala, apresentem algumas disfluências, ou seja, repetições, prolongamentos e bloqueios quando falam. Quando isso acontece, muitos pais ficam preocupados e em dúvida se é normal ou se pode ser uma gagueira que persistirá até a vida adulta.

A verdade é que a cada quatro crianças que apresentam sintomas de gagueira na infância, uma virá a conviver com a gagueira na vida adulta. Portanto, embora esse período de disfluências na infância seja comum, quando isso acontece os pais devem ficar atentos, pois existe sim um risco para essa gagueira persistir.

Os principais fatores de risco para a gagueira são: a hereditariedade (quando existe alguém da família – pai, mãe, tio, primo, etc. – que gagueja); o gênero (a prevalência da gagueira é quatro vezes maior em homens do que em mulheres, então se seu filho for menino, as chances de a gagueira persistir é maior); o tempo de surgimento das disfluências (quanto maior for o tempo que a criança está gaguejando, maior o risco de a gagueira persistir) e o os tipos de disfluências.

Para entender melhor sobre os tipos de disfluências que o seu filho apresenta, é importante que você aprenda a identificar algumas características na fala dele.

Identificando o problema

Para identificar o problema, é preciso entender um pouco sobre a gagueira e conhecer alguns conceitos, tais como:

Fluência: é a característica da fala espontânea e natural, produzida com facilidade.

Disfluência: são quebras, bloqueios, prolongamentos ou repetições dos sons durante a fala.

Veja abaixo exemplos de diferentes tipos de quebras na fala (disfluências) e identifique quais estão mais presentes na fala de seu filho:

Exemplos de disfluências do Tipo 1

A cacacasa é grande. (repete a sílaba ca)

/P (prende o som do p) are com isso!

Amo minha f_ (estica o som do f) amília

Eeeeeeu quero comer. (repete o som do e)

Exemplos de disfluências Tipo 2

Eu queria ééé passear (hesita, fazendo ééé, annn entre as palavras)

Eu ia, eu fui pra escola (reformula as frases)

Mãe, mãe eu quero! (repete palavras)

Você é muito chata, muito chata! (repete frases ou parte das frases)

As disfluências do tipo 1 são mais características da gagueira. As disfluências do tipo 2 são consideradas comuns e fazem parte do discurso de todas as pessoas.

Se o seu filho repete uma ou duas vezes as palavras, faz revisões ou hesita antes de falar, como se estivesse buscando dentro da cabecinha a palavra certa para usar, é sinal de que ele está aprendendo novas formas de utilizar a linguagem (novas palavras, novos conceitos, regras de gramática) e isso é absolutamente normal.

Se, em alguns momentos, ela apresenta disfluências do tipo 1 e repete sons e sílabas mais de duas vezes (pa pa pa pato) ou apresenta prolongamentos (duração exagerada dos sons) e certa tensão associada à fala, como se estivesse fazendo força ou faltando ar na hora de falar, fique atento! Essas disfluências também podem ocorrer no período de desenvolvimento de fala e linguagem, mas devem desaparecer em, no máximo, 8 semanas.

Se as disfluências do tipo 1 ocorrem sempre, em quase todas as situações comunicativas, com muitos bloqueios (demora para conseguir falar ou solta um som de repente como se ele estivesse preso) e, além

disso, há tensão e movimentos faciais (piscar olhos, tremer a boca, etc.) e/ou corporais (mãos, pernas, cabeça, etc.) associados à fala, muito provavelmente seu filho apresenta gagueira. Nesses casos, é comum que algumas crianças aparentem ter medo de falar e evitem situações comunicativas.

Na dúvida, é sempre importante buscar ajuda especializada e o profissional habilitado para avaliar e tratar os casos de gagueira é o Fonoaudiólogo. Ao passar por uma avaliação com um profissional, será possível determinar se há necessidade de intervenção imediata ou não e, nos casos em que houver necessidade, quanto antes intervir maiores são as chances de alcançar bons resultados.

Como ajudar uma criança que gagueja ou está apresentando disfluências na fala?

Cada criança é uma criança e cada família é uma família, portanto, não existem receitas prontas de “como fazer”. Entretanto, algumas atitudes familiares podem auxiliar na diminuição da ocorrência das disfluências e promover mais fluência e interação comunicativa, tais como:

1 – Prestar mais atenção ao conteúdo do que a criança está falando do que à forma: é muito comum alguns pais se incomodarem com as disfluências e corrigirem a fala da criança o tempo todo, sem dar atenção ao conteúdo. Por exemplo:

A criança diz:

– Hoje eu ganhei um ppppprêmio na escola!

E a resposta que ela recebe é:

– Vamos falar direitinho? Não é ppppprêmio, é prêmio! Repete para mim: PRÊ-MIO. Sem gaguejar!

O ideal, seria oferecer um modelo adequado de fala (corrigindo indiretamente), mas dando atenção ao que a criança quer contar. Neste caso, a resposta mais adequada seria:

– Então você ganhou um PRÊMIO? Que legal, parabéns! E que PRÊMIO foi esse?

Dessa forma você repetiu corretamente a palavra gaguejada sem apontar a gagueira e incentivou continuidade na interação comunicativa.

2 – Ouvir com paciência: espere a criança terminar de falar antes de responder. Observe se você não está apressando a criança para terminar de falar logo. Não tente adivinhar o que ela vai dizer completar a frase antes que ela termine. Fale COM a criança e não POR ela.

3 – Manter o contato visual, olhos nos olhos, enquanto estiver falando: o contato visual é extremamente importante na comunicação, pois conecta as pessoas e transmite verdade. Com as crianças, o contato visual é especialmente necessário por causar um sentimento positivo de acolhimento e segurança.

4 – Ajudar a criança a falar mais devagar: para muitas crianças, determinadas mudanças nos pais e/ou outros membros da família são a melhor forma de estimular a fluência. Por isso, você deve tentar moldar a sua própria fala, estabelecendo um padrão mais lento e relaxado quando for conversar com a criança. Não é necessário reduzir de forma artificial a velocidade de fala, mas criar uma atmosfera na qual a fala rápida não seja necessária. Pausas breves entre as palavras e frases são muito eficientes. Observe o estilo de vida das pessoas que convivem com a criança. Frequentemente a criança reflete o estilo de vida da família e, se esse estilo for acelerado, ela não conseguirá falar mais devagar e pode gaguejar mais. Para que ela consiga, será necessária uma mudança na postura da família, pois se todos falarem mais devagar ela também o fará; é uma reação natural!

5 – Esperar um segundo ou mais antes de responder: essa atitude reduz a pressão do tempo na comunicação, e fará com que a criança se sinta mais relaxada para processar o que quer dizer antes de começar a falar também.

6 – Usar palavras simples, frases curtas e fazer uma pergunta de cada vez.

7 – Reservar um tempo, diariamente, para dar atenção exclusiva à criança: a fala mais lenta e relaxada pode ser mais eficaz quando a criança tiver algum tempo de atenção dos pais só para ela, sem distrações e sem ter que competir com outras pessoas.

8 – Se a criança for consciente da gagueira, encorajá-la a falar sobre o assunto com você: mostre paciência e aceitação ao conversarem. A gagueira não deve ser um assunto evitado ou proibido. Superar a gagueira é mais uma questão de perder o medo de gaguejar do que de se esforçar para falar melhor. Lembre a criança de que as disfluências são naturais à fala de qualquer pessoa e que é normal que, às vezes, apareçam rupturas na fala. Frequentemente, a gagueira pode ocorrer sem incomodar o ouvinte e a criança não deve se sentir intimidada ao falar.

9 – Usar comunicação não verbal: procure expressar sentimentos positivos não verbais, olhe para a criança e sorria, dê carinho, mostre que você tem orgulho dela.

10 – Ler ou contar histórias: ler em voz alta ou contar histórias também enfatizam o prazer da fala. Quando você estiver lendo uma história repetida que a criança goste, deixe que ela termine algumas frases ou as reconte com as próprias palavras, se ela quiser. Não a interrompa ou corrija se ela gaguejar.

Atitudes que prejudicam a fala e pioram a gagueira – o que NÃO fazer:

1 – Dizer à criança “pare, pense, respire antes de falar”: evite dar instruções e dicas de como ela tem que fazer para não gaguejar. Todos esses conselhos geram ressentimento e insegurança e não ajudam a falar de forma mais relaxada, pelo contrário. Com o tempo, isso fará com que a criança evite falar com medo de ser corrigida.

2 – Criticar ou corrigir a fala da criança: isso pode frustrá-la e fazê-la se sentir incapaz de expor seus pontos de vista.

3 – Completar a fala da criança ou interrompê-la enquanto está tentando falar: a pressão externa prejudica a fluência e piora a gagueira.

4 – Apressar a criança enquanto ela estiver tentando falar: agindo assim você aumentará a ansiedade e dificultará sua expressão de fala.

5 – Usar palavras e expressões difíceis: estas dificultam a compreensão da mensagem e podem gerar medo e ansiedade de não conseguir responder. Utilize vocabulário adequado à faixa etária e compreensão por parte da criança.

6 – Gritar com a criança quando ela gaguejar: o grito pode ser interpretado como uma punição à gagueira (que é involuntária) e causar consequências emocionais negativas.

7 – Comparar à fala da criança com a de outras crianças: isso a fará se sentir envergonhada ou diminuída.

8 – Forçar a criança a falar ou ler em público: recitar poemas ou contar algo em público pode ser uma experiência traumatizante para a criança que gagueja. Se ela o fizer espontaneamente, tudo bem, não há razões para sentir vergonha, todos nós temos limitações.

9 – Superproteger a criança: não faça tudo pela criança ou arranje a vida de modo que ela não precise falar. A superproteção poderá aumentar seu medo de falar, se expor e lutar pelo que deseja.

10 – Exigir demais da criança: exigir da criança um nível de perfeição muito elevado pode prejudicar sua autoestima e, consequentemente, dificultar interações comunicativas.

A família, isoladamente, quer por trazer traços genéticos da gagueira, quer por suas atitudes ambientais, não é capaz de provocar a gagueira. A gagueira é muito complexa e sua causa ainda não é totalmente conhecida.

Os pais são, na verdade, os maiores aliados – e não inimigos – na luta para promover a fluência da criança.

Entenda que seu filho é absolutamente igual a todas as outras crianças, só que sua fala não sai com a suavidade e eficiência comuns. Seja tolerante porque a criança que gagueja necessita de um tempo mais longo que o normal para maturar a produção de fala, e esse processo é automático, ninguém pensa em cada palavra que vai falar.

Eduque seu ouvido para separar a fala gaga (que é o jeito de falar) da produção de fala (o que a criança deseja falar). O que importa é o conteúdo e não a forma da mensagem.

E lembre-se: gagueira tem tratamento! Busque um profissional qualificado para atender seu filho. De preferência um Fonoaudiólogo com experiência na atuação com distúrbios da fluência.

O tratamento da gagueira requer colaboração e participação. O sucesso do tratamento depende do equilíbrio entre: adequação do tratamento escolhido, mudanças ambientais quanto à demanda de comunicação e resposta pessoal – particular e única da criança – pois cada criança de desenvolve à sua maneira.

Referências:

1 – Andrade CRF. Gagueira infantil: risco, diagnóstico e programas terapêuticos. Barueri: Pró Fono; 2006.

2 – Andrade CRF. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas. Barueri: Pró-Fono, 2017.

3 – Oliveria CMC, Bohnen AJ. Diagnóstico Diferencial dos Distúrbios da Fluência. In: Tratado de Linguagem: perspectivas contemporâneas. Booktoy, 2017.

4 – Oliveira CMC, Yasunaga CN, Sebastião LT, Nascimento EN. Orientação Familiar e seus efeitos na gagueira infantil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(1):115-24.

5 – Instituto Brasileiro de Fluência. Distúrbios da Fluência – Gagueira. Disponível em: https://gagueira.org.br/disturbios-da-fluencia#gagueira

6 – <a href=’https://www.freepik.com/photos/people’>People photo created by freepik – www.freepik.com</a>

 

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